31 August 2008

Duas Ceroulas ao Sol...
by moov in BlueDesign // SPUTNIK* #10




Roupa. Existe lisa, às bolinhas, mais sofisticada, menos sensual, de poliester, caxemira ou algodão… No entanto, seja ela prêt-à-porter ou de gala, necessita de ser lavada. O que significa que, usando amaciador ou dois em um, todo o par de ceroulas terá de secar. E, chegados a este ponto introduzimos uma pequena mas relevante notícia para a prática arquitectónica veículada pela agência Lusa. Se, como é sabido, as grandes mudanças fazem-se anunciar por pequenos sinais, estes vêm para já de Tarragona, Espanha, onde o município fez aprovar uma lei que, e passamos a citar: “para garantir o respeito mútuo e a convivência entre vizinhos - é proibido estender roupa à vista do público, nas varandas e janelas.” Neste momento, já esquecido do suave odor a lavanda das ceroulas, interrogar-se-á o caro leitor: que raio de relevância pode ter uma norma municipal de nuestros hermanos para a prática arquitectónica aqui do burgo? Pois bem, correndo o risco de o desiludir, é a essa ligação improvável que se dedica esta prosa.

Ponto prévio: Portugal é célere na importação de boas práticas, principalmente, se elas vierem em letra de lei e não implicarem mudanças estruturais mas antes proibições e respectivas coimas. Portanto, a questão não será se, mas quando será adoptada tão importante peça legislativa em território luso?

Esclarecido este ponto, avancemos para o âmago da questão: as formas de ocupar e habitar os objectos arquitectónicos – vulgo edifícios - sempre motivaram acesas discussões que navegam no triângulo das bermudas formado pelo egocentrismo de quem projecta, as aspirações individuais de quem é proprietário ou utilizador e o politicamente correcto promovido por essa entidade abstracta e nebulosa que responde pelo nome de opinião pública. Quem projecta bate-se pela preservação de uma imagem inicial que não mostre sinais de colonização da obra por terceiros e perpetue a excelência do seu desenho. O facto de algumas soluções mostrarem ser muitas vezes desadequadas ou de necessidades quotidianas obrigarem a uma customização da obra por parte dos utilizadores, é assunto que não merece muita consideração quando comparado com a importância da preservação da sacrosanta imagem original. A nebulosa e flutuante opinião pública alinha, regra geral, pelo mesmo diapasão da petrificação do edificado, sendo avessa à mudança ou às marcas espontâneas da vida no construído.

Dois grandes tubarões navegam assiduamente neste fórum triângular e, pela preocupação que suscitam aos senhores do projecto e à zelosa massa de cidadãos preocupada com estas coisas da estética, parecem carregar aos ombros décadas de descaracterização do território e do belo edificado nacional. Se o caro leitor, recordando as ceroulas ao vento, identificou a roupa estendida na via pública - ó atentado maldito - como um dos predadores, acertou! O outro é uma verdadeira instituição da construção espontânea portuguesa e dá pelo nome de marquise de alumínio.

Mas o Grande Legislador, sempre atento às necessidades de uma comunidade exigente, prepara-se para resolver de forma impiedosa estas práticas tão ofensivas do bem estar público e da boa arquitectura. Depois da lei esperam-se zelosas brigadas da Polícia Municipal equipadas com poderosos Segways em busca de prevaricadores. Onde durante 60 anos secou a camisola do Eusébio, já não poderá mais secar a camisola do Cristiano Ronaldo por que alguém um dia entendeu que roupa estendida é feio... Feio, diriamos nós, é desperdiçar energia e dinheiro numa máquina de secar para se fazer uma coisa que a cultura popular à muito tinha resolvida com dois paus e um fio.

Uma cidade é como uma casa, precisa das impressões dos seus habitantes cravadas nas suas paredes, no seu chão, nas suas árvores, nos seus bancos... Precisa de testemunhos, de roupa estendida... é importante que o espaço público possa ser objecto da imprevisibilidade, da interacção e das marcas do quotidiano de quem nele habita e não apenas um cenário acéptico que obedece a um manual de condutas castrador.

Mestre Siza, podemos pôr um estendal em Serralves?

...

Two Underpants in the Sun...
By moov in BlueDesign

Clothe. There are smooth clothes, dotted, more sophisticated, less sensual, of polyester, cotton or cashmere… However, be it prêt-à-porter or ceremony, sooner or later it has to be washed. This means that, using a simple or a two in one softener, the pair of underpants will necessarily have to dry. And, at this point where the dear reader already visualises the immaculate underpants in the sun ... we introduce small but important information for the architectural practice revealed by Lusa news agency. If, as you know, the major changes are announced by small signs, these one comes from Spain, more specifically from the city of Tarragona, where the municipality approved a law (and we quote): to ensure mutual respect coexistence between neighbours - is prohibited dry clothes in sight of the public, in balconies and windows. By now, you should have forgotten the soft smell of lavender of the underpants, but the dear reader should also be questioning yourself about: the relevance to municipality law of a Catalan city for the architectural practice here in Lisbon? Well, at the risk of disappointing, that’s the unlikely link to which we have dedicated this text.

Prior point: Portugal is known for being a fast importer of good practice methodologies, specially, if they come in letter of law and do not involve structural changes but rather bans and fines. So the question is not if, but when, the measure will be adopted as important piece of legislation in Portuguese territory.

Having clarified this point, let’s move towards the heart of the matter: how to occupy and live architectural objects – known as buildings. This always motivated heated discussions that sail the Bermudas triangle formed by the egocentrism of those who plan, the individual aspirations of who owns and the politically correct promoted by the abstract and nebulous entity that answers by the name of public opinion. Who projects battles itself for the preservation of an idealized initial image that doesn’t show signs of colonization by others. In the fact sometimes some of the solutions are inadequate or that the quotidian needs that require a user customization is disregarded if compared with the importance of the sacrosanct original trace. The nebulous and floatable public opinion agrees, in most cases, tunes by the same diapason preferring the established architectural patrimony, showing small sympathy for change and spontaneous life expression over the constructed.

Two big sharks sail chronically in this triangular forum and, by the worry they cause to the project masters and to the zealous mass of citizens worried with these aesthetic stuff, they seem to carry on their shoulders decades of territory and national architecture adulteration. If you, dear reader, remembering the underpants in the wind, identified drying clothe publicly has one of the predators, you are right. The other one can already be considered an institution of Portuguese spontaneous construction and it is called aluminium marquise, a kind of a balcony greenhouse.

But the Great Legislator, always regarding the needs of a demanding community, is preparing to solve in impetuous way this offensive practice on behalf of public welfare and good architecture. After this law, new municipality police brigades are expected, equipped with powerful Segways to search for prevaricators. Where for 60 years it dried Eusébio shirt, no longer can be held Cristiano Ronaldo’s because one day someone decided that putting clothes to dry is wrong and ugly. Ugly, we would say, it’s wasting time and energy in a drying machine to do something that the popular culture had solved so long ago with to stick and a string.

A city is like a house, it needs the impressions of its inhabitants carved in their walls, in its floor, its trees, on its benches... it needs evidence of drying clothe... it is important that public space can be object of unpredictability, of interaction showing the quotidian life scars of its habitants and not just an aseptic scenario that follows a castrating conduct manual.

Master Siza, can we put our clothes out to dry in Serralves?