7 Wonders of Lisbon
By António Louro, José Niza e João Rato
Para o lançamento do programa de comunicação pro-activo SPUTNIK*, pretendíamos uma edição especial que assinalasse a data mas que ajudasse também a apresentar o conceito, o tom da crítica e o carácter das provocações.
A missão era dura. Premiar 7 Maravilhas da Lisboa que não vem no guia Michelin nem são referênciadas no LonelyPlanet.com Não era para meninas, mas o objectivo foi cumprido.
Fizemos um exercício de memória colectivo para identificar os espaços perdidos desta Lisboa marginal. Descobrimos uma cidade de bairros. Uma rede capilar de locais, sustentada no cruzamento e partilha do conhecimento do universo pessoal e pontual do tecido urbano de cada cidadão, nos quais nos movimentamos diáriamente sem lhes reconhecer o carácter único conferido pelo acaso, o erro ou pelo tempo.
Foram precisos 7 dias de intensas batidas pela cidade à procura dos candidatos. Foram 7 tertúlias a discutir as categorias e 7 horas até chegar aos nomeados. Foram gastos 7 barris a ponderar os premiados.Lisboa tem uma íntima relação com o número 7 ou não fosse esse o número de colinas em cujo recato se aninhou. Cada uma constituída por maravilhas de bairros, gentes e experiências.
Entre tantas pérolas, foi difícil escolher as categorias e os respectivos vencedores, tendo ficado por premiar categorias tão promissoras como Longevidade para Obra Embargada ou Esboço Prévio + Caro /m2 - mas vamos deixar a zona da Av. da Liberdade em paz.
ATENÇÃO! Este juizo não representa as 7 maravilhas mas 7 delas.*
Bebidas mais 7 imperiais, as vistas ficaram mais turvas mas os veredictos cada vez mais focados. Determinámos como critério fundamental que todas as Maravilhas seriam obrigatóriamente públicas e visitáveis por qualquer cidadão do mundo com a excepção do Presidente Demissionário da Região Autónoma da Madeira.
Por outro lado, as categorias teriam de ser por si só representativas de um modo de estar e operar no espaço que fizessem brandir bem alto a bandeira da portucalidade na arquitectura e espaço público. Quer seja pela inércia política, pela ingenuidade construtiva, a resistência à mudança, o MacGyverismo da solução ou até da chico-espertice dos jogos de interesses, esta Lisboa existe e está por explorar. É esta a nossa realidade. É esta a nossa cidade... os premiados SPUTNIK* 7 Maravilhas de LX são:
01*. “NÓS É MAIS ARTIGOS PARA O LAR”
A Baixa não seria o baluarte do comércio tradicional, da ceroula e da colcha vintage sem a mítica Pollux. Todo um edifício de coisas para o lar capaz de fazer corar os armazéns Harrods. Se a deriva pela panóplia de produtos expostos já vale a deslocação a cereja em cima do bolo é, sem dúvida, a sua magnífica cafetaria.
Quatro belas mesas de pé alto em inox num terraço com uma vista soberba, tudo dissimulado entre artigos para jardim e apresentado num ambiente negligé como quem diz, vistas boas, mesmo boas isso não é relevante, nós somos mais artigos para o lar...
02*. “BRINCADEIRAS DE MENINOS”
Bem vindos a bordo. Tenham um bom vôo.
São estas as frases lapidares que nos confortam diáriamente ao chegarmos à pista do nightclub O Avião estacionado à quase 20 anos na berma da Av. Cidade do Porto, como quem segue para a A1.
Quer se queira, quer não, a reciclagem deste Boing 707 é um exercício de perícia espacial de vanguarda que consegue redesenhar o programa funcional contido na fuselagem dum avião ao serviço de toda uma comunidade. O virtuosismo CAD mostra-se no modo integrado como são desenhados os nichos das mesas, almofadados e estofados a veludo carmim, no chão de madeira do palco central do varão, atingindo o climax na cabine privada do cockpit!
Citando Paula Oliveira Silva e N´Dalo Rocha que assinam a peça Brincadeiras de Meninos, editada no site http://www.lifecooler.com/ em 06-03 de 2003:
“(...) As bailarinas são hábeis, porém dentro das casas do género, não serão as mais elegantes que se podem encontrar. De qualquer modo, vale a pena lá ir, até porque não voamos todos os dias, ainda para mais num avião destes!”
03*. “OS CARROS INVADIRAM A SOMBRA”
Há acidentes de trabalho, de viação, etc.. Aqui ocorreu um acidente urbano.
Declara o presente que a rua de São Bento decorria sem sobressaltos do Largo do Rato até à D. Carlos I, quando, sem que nada o fizesse prever, surgiram de repente - uma centena de anos, passa num instante - e vindas do nada -uns tocozinhos que não tinham mais de um metro, que eu bem os vi - 6 (seis) arvores.
Sem respeitar a prioridade ao construído, como o código bem indica, estas poderosas forças verdes escangalharam a frente urbana e violentamente criaram um vazio. A cidade, que não é de se ficar nestas coisas, edificou à volta e criou um largo.
Este estava a ser um acidente feliz, e até já se respirava melhor, só que vieram com lancis agrilhoar as pobres arvores e os carros invadiram a sombra.
Preservar assim estas arvores cumpre a lei, não cumpre o espírito.
04*. “LEVE DINHEIRO VIVO”
Tudo se passa no mercado da Praça de Espanha. A gama de produtos é vasta, mas o que impressiona realmente é a concentração dessa variedade. Ainda mal acabámos de ver os auto-rádios, já estamos a deitar o olho à lingerie para logo a seguir pararmos a apreciar um belo lustre de loiça com dourados bem lustrosos.
Percorrer aqueles corredores estreitos é uma experiência intensa pontuada por cheiros e sensações que nos remetem para os universos das feições e sotaques que encontramos pelo caminho. Faça um favor a si próprio e não pergunte a origem do material.
Construído para acolher temporáriamente os vendedores ambulantes do Martim Moniz, tinha fim anunciado desde o princípio. Até o mestre Siza o varreu do mapa no seu plano de ordenamento da zona, mas aqui entre nós, é mais fácil que plano vá para a gaveta que o Bar 18 e companhia venha abaixo! Ainda só passaram 20 anos e pintado fica como novo – quem disse quo provisório e o marginal não se institucionalizam?
Aberto de segunda a sábado entre as 9h e as 20h. Leve dinheiro vivo.
05*. “QUE SE LIXE O REGEU!”
A visita à loja da Cortiço e Netos é uma experiência sensorial potente onde o risco se mistura com o prazer da descoberta daquele que é provalvelmente o maior espólio de azulejos e louças sanitárias descontinuados. Pérolas, meus amigos, muitas pérolas estão cativas naquele espaço comercial!
Para explorar tão preciosa colecção esqueçam os regulamentos, medidas de segurança e preparem-se para três pisos de um edificio inacabado, uma profusão de anexos, quintais e... a espectacular cobertura feita de chapas de zinco onde podemos chegar por uma estreita escada em carocol e deleitar-nos com a soberba vista da Amadora e apreciar belas colecções de sanitas nervuradas de cores tão insuspeitas como castanho escuro ou roxo!
06*. “TACÕES E MEIAS-SOLAS”
Como diz a sabedoria popular, cabe sempre mais qualquer coisa. E se a marquise era já uma contribuição popular ao limitado vocabulário dos arquitectos, outros espaços há, em que o engenho popular vai ainda mais longe na conquista do m2.
O vão de escadas será, de todos eles, aquele onde a criatividade atingiu níveis ímpares dando autênticas lições de compactação espacial aos japoneses! Temos papelarias com 2 m2 mais equipadas que a secção de material de escritório do Jumbo, retrosarias com 3.5 m2 ou tabacarias com um catálogo de revistas mais vasto que a Fnac e Bertrand juntas.
Não era por isso fácil eleger o melhor estabelecimento comercial em vão de escadas. Mas o sr. António a colocar tacões e meias-solas no hall de entrada do nº 46 de porta escancarada para a rua em plena Baixa ganhou ao sprint. Dir-se-ia que é uma oficina de sapatos por onde, por acidente, também se entra para o edifício.
07*. “OVOS FRESCOS”
Numa cidade como Lisboa, a escadaria não é (só) um momento cénico e dramático da arquitectura mas sim resultante da sua condição topográfica. É uma imagem recorrente da paisagem, articulando caminhos e gerindo os fluxos de pessoas entre cotas, ladeira abaixo e acima nos arrastamentos entre Rio e Cidade.
Esta passagem escadeada apresenta uns incríveis 80 cm de largura entre edifícios propiciando momentos de grande intimidade entre transeuntes que se cruzem em sentidos opostos.
Ao descer este corredor de cidade, o Tejo apresenta-se no horizonte paradoxalmente numa estreita faixa vertical ao longo dos seus 73 degraus que levam diariamente a Sra. Palmira a comprar ovos frescos.
--- english version ---
For the lauching of our interactiv comunication program we wanted a special edition that could mark the date and also help to present its concept, the accent of its judgments and the type of its provocations.
"It was a tough mission. To award 7 Wonders of Lisbon that can’t be found in the Michelin Guide and are not even reference-marks in LonelyPlanet.com! It wasn’t a girl’s task at all, but we've done it!
We made a collective memory exercise to identify the lost spaces of this marginal Lisbon. We discovered a city of neighbourhoods. A capilar net of places supported by the crossing and sharing of the knowledge of the personal and occasional universe of each citizen’s urban tissue, in which we daily move ourselves without recognize their unique character shaped by hazard, errors or time.
It took 7 tough days to beat about the the city for the candidates, 7 informal gatherings to discuss the categories and 7 hours to get to the nominees. And 7 barrels were emptied while pondering the winners.Lisbon has an intimate relationship with the number 7, since that it’s the number of hills where it looked for cuddling and shelter. Each of them full of wonders, made of neibourhoods, people and experiences.
Among such an amount of pearls it was difficult to choose the several categories and their respectve winners, failing to award such promising categories as Longevity for Hindered Work or Most Expensive Preliminary Study per m2 – but we’ll leave the Av. of Liberty alone.
ATTENTION ! This judgement does’nt represent the 7 wonders, but only 7 of them.*
After 7 more beers, our eyesights became more turbid, but our veredicts more and more focused. As a fundamental critaeria we decided that all the wonders should be necessairly public and open up to any citizen of the world except the Demissionary President of the Autonomous Region of Madeira.
On the other hand, the categories themselves should be representative of a certain way of being and acting upon the space, which could raise quite high the flag of portugality on the architecture and the public space. Either from the political inertia, the constructive naiveness, the resistance to changes, the MacGyverism solutions or even the slickerness of the games of interests, this Lisbon exists and is unexplored. This is our reality. This is our city... the winners of the SPUTNIK* 7 Wonders of Lx Awards are: