30 December 2007


Documenta 12
By Cláudia Campos // SPUTNIK* #05

O primeiro vislumbre da Documenta em Kassel era o campo de papoilas que ocupava a Friedrichplatz. Frente ao Museu Fridericianum, a casa-mãe da exposição, num domingo demasiado quente, „Poppy field“, a instalação da croata Sanja Ivekovic, tinha a capacidade de transformar o espaço público, duro e urbano, num imenso jardim tingido de vermelho carregado de poesia, onde apetecia permanecer e passear.
A Documenta, considerada a maior e mais importante exposição de arte contemporânea do mundo, acontece de 5 em 5 anos, e em 2007 foi visitada por cerca de 750 mil pessoas durante os tradicionais cem dias de exposição.
Pela segunda vez, as obras foram distribuídas por vários edifícios, construídos ou adaptados, ao longo dos anos, alargando o espaço físico da mostra e permitindo que se tornasse num percurso expositivo. Nesta edição, os franceses Lacaton&Vassal foram convidados a projectar o „Aue-Pavillion“, pavilhão efémero junto à centenária Orangerie.
A edição decorreu envolta em controvésia, pelo que propõe-se aqui compreender melhor a mostra - sem o peso da crítica ou do moral da história mas analisando intenções, objectivos e resultados.

I
Na Documenta, virtude da especificidade do evento, onde as condicionantes são quase nulas à excepção da data e espaço gegráfico (a cidade), a escolha do director artístico é determinante na orientação e resultado da mostra. Aqui não existe a colecção com a qual trabalhar, nem a encomenda sob um tema específico ou a orientação vocacional da entidade promotora. O conceito da exposição é dado a desenvolver ao director artístico nomeado para cada edição. Este tem também carta branca para nomear um ou mais curadores, figura, que desde os anos 60, tem vindo a ganhar um papel fundamental como interveniente do processo artístico. A Documenta 12 teve como director artístico Roger M. Buergel e como curadora Ruth Noack, casal-dupla de curadores alemães (ela é também historiadora de arte) que em 2007 vêm dar corpo ao evento com ideias bem definidas sobre o seu rumo.

II
Defensor da slow art, Roger M. Buergel afirmou em entrevista e acerca do conteúdo da Documenta:“It's not about fascinating people with the strange and unknown, but rather about bringing things that people know nearer to them. We want to remind people to look at things more closely.“.
O primeiro pressuposto da dupla é de que o público contemporâneo já é culto e esclarecido pela acção didática dos museus e pela omnipresente comunicação dos media. Esta manutenção da informação resulta, segundo os curadores, numa indesejável passividade do espectador. Como tal, para apresentar na Documenta, foram selecionados artistas menos (ou quase nada) conhecidos, contornando-se os circuitos habituais expositivos, de galerias e outros mercados de arte, surpreendendo a multidão curiosa do meio artístico e da imprensa especializada.
Para quem visitou Kassel, é óbvio que algo foi feito por evitar as obras aparatosas ou a realização tecnológica, que mais facilmente se podem afirmar pelo fascínio próprio da realização em detrimento do significado. A valorização do low tech e de alguma sobriedade são também visíveis na opção gráfica do logotipo da Documenta, na restante comunicação (site, etc) e na sinalética no recinto: a simplicidade das letras manuscritas sobre um mero fundo branco.

III
Noack e Buergel procuram pôr em prática a experiência estética de Kant, que se define pelo resultado da relação entre um sujeito e um determinado objecto fruto da sua observação desinteressada. Este processo está totalmente dissociado de mecanismos racionais e implica uma ausência de espectativa de benefício por parte de quem observa.
Qual a melhor forma então de provocar a verdadeira experiência estética que apresentar obras de artistas emergentes em vez dos habituais famosos e consagrados cuja reputação precede a obra? E que melhor maneira de desacelerar o processo de consumo da arte que optar por trabalhos dos quais é necessário aproximarmo-nos porque, dir-se-ia, falam baixinho?
IV
Pelo descrito atrás poderia pensar-se que o efeito da Documenta 12 deveria ser calmo e controlado, apaziguador para o espírito.
Pelo contrário, para estes curadores, a arte é a ferramenta de compreensão da essência humana e responsável pelo desencadear de acções - a dimensão libertadora da arte (tónica marxista da educação pela arte aplicada à compreensão da globalização e suas complexidades culturais, tema tão premente no mundo contemporâneo). A proveniência dos artistas escolhidos da chamada periferia é sintomática: África, Ásia, América Latina e Europa de Leste perfazem grande parte dos nomes diminuindo consideravelmente a origem ocidental do eixo América do Norte - Europa. Assim, os mesmos media responsáveis por „deturpar a experiência estética“ elegem com as suas noticias, os países, cujas crises politicas, sociais ou económicas, podem ter mensagens que veicular.

V
Um dos problemas do mundo global é a dificil interpenetração causada pelas clivagens culturais. Buergel e Noack quiseram domesticar essas diferenças pela exposição, diversificação e desmontagem. O objectivo pedagógico é muito forte nas intenções da dupla. Neste sentido, uma das realizações assinaláveis da Documenta 12 foi a rede editorial criada com 90 publicações de arte, cultura e comunicação do mundo inteiro que, durante meses, pensaram e debateram os temas intrinsecos à documenta 12, discussão que ganhou vida própria materializada em mais de 300 artigos publicados. A intenção foi mais uma vez abarcar a multiplicidade do real e a maneira de chegar ao conhecimento especifico de cada local para logo o tornar acessivel ao mundo. Uma das vantagens desta iniciativa é a estratégia de marketing, intencional ou não (se bem que o marketing é sempre intencional), que dela resulta através da disseminação virtual do evento.

VI
O meio físico da apresentação têm uma enorme importância para os curadores. Os trabalhos estavam, como se assiste actualmente no universo expositivo, contextualizados no espaço em que se inseriam, respondendo-lhe e melhorando-o. Uma tentativa de caracterização dos espaços com cores nos materiais de revestimento ou em filtros nas janelas denotam a recusa do white cube - o espaço expositivo sem referências, branco e abstracto. Aqui, pelo contrário, cada espaço tinha a responsabilidade de adicionar significado à obra intensificando a mediação objecto-público.

Ao percorrer-se o percurso expositivo, as diferentes obras de um mesmo artista podiam ser encontradas em distintos locais. Não se sabe se estariam reunidas por afinidade de contexto ou por um tema dificil de descortinar ou porque a exposição quis ter, como afirma Buergel, „[...]a importância do todo e não do artista enquanto indivíduo.“,
A verdade é que o resultado era confuso e que havia trabalhos que se destacavam, felizmente. A unidade ou harmonia ambicionadas não eram assim tão evidentes.
Se se consegue adivinhar o tema que presidiu ao trabalho de recolha de obras do curador? Se existiu um ou vários temas? Se houve uma estruturação dos trabalhos reunidos e separados nos diferentes espaços? A resposta talvez assentasse nos leitmotifs da Documenta (em formato de perguntas), não fossem eles abstractos e abrangentes. Assim, a mim parece-me que não, mas mais uma vez isso depende da observação subjectiva de cada um. Sintomático é que a falta de textos explicativos junto às obras tivesse que ser comaltada perto do fim da exposição porque as queixas tornaram-se demasiado frequentes.
Apesar de não ter visitado nenhuma das edições anteriores atrevo-me a afirmar que a descontracção e a naturalidade evidentes na 12ª mostra e na sua relação com o público foram qualidades que, não obstante o mérito dos curadores, estiveram já presentes no passado e que decorrem da situação informal do percurso expositivo e da variedade e quantidade apresentadas. A sensação que perdura, depois da visita, é a mesma que já experimentámos com pessoas, situações ou locais: não impressiona muito mas estranhamente também não sai da memória.
Mas, de certa forma, cumpre o seu papel: ainda que em parte devido à sua crescente exposição mediática nunca a Documenta foi tão debatida e os seu conteúdos curatoriais questionados.E, em parte, era esta a reacção que Buergel e Noack ambicionavam.

“We conceive of the exhibition as a medium. This takes us away from the mere representation of the ‘world’s best artists’ to the production of an experiential space, in which it is possible to explore the terms ‘art work’ and ‘public’ in stark juxtaposition. What is contemporary art? What is a contemporary public? The experience of art is always the experience of life. If we wish to redefine this relationship, we require a medium to remove us from our immediate “living context”. The aesthetic experience, which begins where meaning in the conventional sense ends, could be such a medium.“ (Roger M. Buergel, Ruth Noack)

- - - english version - - -
The first glance we got from Kassel’s Documenta is the poppy field laying on Friedrichplatz. Facing Fridericianum Museum, the main building, in a much too hot Sunday, „Poppy field“, Sanja Ivekovic’s instalation, had the ability to change the urban public space turning it into a red painted garden, where we felt like rest and stroll around.
Documenta, regarded as the world’ s biggest and most important exhibition of contemporary art, comes along every 5 years and was visited by a 750 000 crowd in 2007, during its 100 days lifetime.
For the second time, works were scattered over several buildings, constructed or adapted, over the years, widening the exibition’ s physical space and making an exhibiotn path. This time, french architects Lacaton&Vassal were invited to design the „Aue-Pavillion“, the temporary pavillion next to the Orangerie.
This edition was surrounded by controversy, so we propose to get to a better understanding of the exhibit – it is not intended to give a critical essay but to analise wishes, objectives and results.

I
Due to Documenta specific context, limited only by time and location, the Artistic Director nomination is essential to settle the exhibition guidelines. Here, there isn’t the collection to work with or the order under a specific theme or client to answer to. The concept of the exibition is developed by the selected Artistic Director. He or she is free to choose one or more curators, activity which has having more and more a crucial role int the artistic process, since de 60’s. Documenta 12 has Roger M. Buergel as his Artistic Director and Ruth Noack as curator, a couple which often work together.
II
Supporting the idea of slow art, Roger M. Buergel has told in a interview about the contents of Documenta:“It's not about fascinating people with the strange and unknown, but rather about bringing things that people know nearer to them. We want to remind people to look at things more closely.“.
The pair believes that contemporary audiences are already educated and enlightened by the educational hand of museums and the ubiquitous media comunication. The way information is dealt with results, according to the curators, in an undesired dormant public. To escape this, the work of less famous (or unknown) artists were presented in Documenta 12. Therefore it was possible to avoid the regular exhibit circuits of art galleries, surprising the curious art world and the specialized media.
For those visiting Kassel, it is obvious that somenthing was done, also, to avoid boisterous or technological works, which can create agitation by the way it is done rather than what is saying. Low tech and sobriety were valued in this edition of Documenta, and to prove it there are all the graphic communication: logo, site, .... - simple handwritting words on a white paper.

III
Noack and Buergel aim to apply Kant‘s aesthetic experience, which happens when a subject observes an object without preconceived ideas or other interest whatsoever. This process is totally disconected from racional mechanism and can only be obtained when the subject has no expectation of gain any benefit from this experience.
Which would be the best way, then, to create real aesthetic experience than to present emergent artists instead of famous ones which reputation comes ahead of the work? And which would be the best way to slown down the process of consuming art than to choose works that are necessary to get closer to in order to listen to them?

IV
By what was said before, someone could think that Documenta12 effect on people was calm and controlled, tranquilizing the spirit.
By the contrary, for the curators, art is the key to understand the human essence and is responsible for trigger reactions – art’s liberating dimension (as if the marxist‘ s art education could reveal the globalization and its cultural complexities).
Selected artists‘ origin has much to say: Africa, Asia, Latin America and Eastern Europe make most of the list diminishing invitations from the easter axis – North America/Europe.
Therefore, the same media responsible for „corrupting the aesthetic experience“, in their news, elect the countries wich political social and economical crisis make them eligible to be presented.

V
One of the problems of the globalized world is the dificult interpenetração, caused by cultural disparities. Buergel e Noack wanted to domesticate this differences by exposing, varying and deconstructing. The pedagogical goal is really strong within the couple.
In this sense, a remarkable achievement was the editorial network created upon 90 comunication, art and culture publications from all around the world. For months they though about and debated the themes generating over 300 published articles. The purpose was, once again, to embrace multiple realities and getting to specific knowledge to make it acessible to the world. Other of its advantages was the marketing strategy that generated from the virtual spreading of the event (we can wonder about the intentionality of this but marqketing is always intentional).

VI
The space of presentation is utterly important to the curators. The works were, as can be seen nowadays in exhibitions everywhere, integrated in the surroundings, relating to it. There was an attempt to characterize space through color on materials and light filters, refusing the white cube – the exhibition space without references, white and abstract. Each space had the responsability to add meaning to the work, enhancing the relation public-object.

When going along the exhibition, different works from one artist could be found in distint places. Its not known wether they were put together by expressing similar meanings or because they related by theme or still because the display wanted to have, like Buergel says: „[...]the strengh of the whole instead of the artist individually.“.
The truth is that the result was misleading and fortunatelly there were some works that would stand out. The unity and harmony desired were not achieved.
If is possible to guess the theme which lead the curators work? If there was one or several themes? If there was a logic behind the gathering and scattering of the works through differente spaces? The answer may lie on the Documenta’s leitmotifs (questions), if they where more objective. Therefore, I don’t think so, but again, it depends on each interpretation. Meaningly, explanation texts of the works, which didn’t exist, had to be included because of so many complaints.
Although not having visited any of the former editions of Documenta, I dare to say that the relaxed and easy going feeling around the 12ª exhibit were there already in the past and are a spontaneous manifestation of everything’s informality.
The sensation kept within is the same already experienced with people, situations or places: it doesn’t strike you but nevertheless it can’t be forgot.
But, in a certain way, it fulfills its destiny: even in some part due to the increansing mediatic exposure, never Documenta was so discussed and its contents questioned. And this was, to some extent, what Buergel and Noack expected.

“We conceive of the exhibition as a medium. This takes us away from the mere representation of the ‘world’s best artists’ to the production of an experiential space, in which it is possible to explore the terms ‘art work’ and ‘public’ in stark juxtaposition. What is contemporary art? What is a contemporary public? The experience of art is always the experience of life. If we wish to redefine this relationship, we require a medium to remove us from our immediate “living context”. The aesthetic experience, which begins where meaning in the conventional sense ends, could be such a medium. “(Roger M. Buergel, Ruth Noack)